sábado, 26 de julho de 2008

Um findi no Ocidente

Um domingo mais ou menos nublado. Quente, úmido, abafado. Domingo de descanso. De brick. De grenal. Um domingo de evocar o povo e mostrar que há por aí um pessoal que não pára – ainda bem – e insiste em levar a cultura adiante. Um pessoal que guiado pelo amigo e incansável agitador Paulo Scott (Voláteis/Ainda Orangotangos) promoveu o Primeiro Popular de Porto Alegre. Mesas, intervenções sonoras, leituras, exposição, venda de livros, CDs, pocket shows. Convidados: Amigos da Literatura e dos Palcos. Me fiz presente. Apoio e prestigio esta gente. Esse pessoal sério que se doa por fazer. Que busca espaços, cria meios, gerando oportunidades de bons encontros acontecerem. Esse pessoal que batalha pela propagação do saber. Um pessoal que não descansa nos fins de semana e que neste domingo não estava no brick, nem no grenal. Estava agitando por quase duas horas no Bar Ocidente. Dialogando, trocando idéias, esclarecendo, partilhando conhecimento. Um pessoal a quem devo muito e cujos registros partilho aqui com os ausentes no evento.

Domingo - 29/06 – Bar Ocidente
Mesa: MAS O QUE É A NOVA LITERATURA?
Componentes da mesa: Carlos André Moreira (Zero Hora), Fernando Ramos (Jornal VAIA), Leo Felipe (Editora Idéias a Granel), Luiz Maurício Azevedo (Editora Bipolar) e Samir Machado de Machado (Não Editora)
Público presente: Escritores, Poetas, Editores, amigos apaixonados e interessados.

O Scott abriu os trabalhos e passou a bola para o Leo Felipe que falou da alegria de estar no evento e chutou para o Luiz Maurício que se fez representar como Editor para participar da mesa. A seguir, Samir falou dos 6 lançamentos da Não Editora em seus 6 meses de existência. Disse de sua busca por modos iniciativos e intuitivos de se lançar no mercado, descobrindo acessos e meios. O catálogo da NÃO é puro bom gosto – endossou Fernando. Confere: www.naoeditora.com.br. O Fernando, guerreiro do Jornal VAIA que há 7 anos vêm fazendo bonito em literatura impressa, salientou que o veículo está abocanhando um espaço disponível, por haver aqui no Sul um vácuo em termos de impresso literário. Em poucas palavras traçou o perfil do VAIA cujo objetivo é publicar somente literatura e inéditos de todas as tribos e tendências. O VAIA é um meio despojado de preconceitos e sem grandes exigências em termos de estilos. O que o difere dos demais é o fato de ele ser totalmente escrito e produzido por amantes da literatura. Por leitores e expressivos anonimamente escritores, que partilham de um grande desejo em comum que é o de “escrever para ser lido”. É este pessoal que estuda, preocupa-se e adora escrever quem está fazendo hoje uma nova e boa literatura. Ao convidar o colega para pronunciar-se, teceu elogios à Zero Hora pelo espaço que disponibiliza para o tema em questão. Carlos André Moreira, crítico literário e assinante do blog Mundo Livro – www.clicrbs.com.br/blog/ que há 10 anos atua na ZH e há 4 dedica-se exclusivamente à literatura, e Leo Felipe (Vampiros/FUMPROARTE) propõem que a discussão inicial enfoque as formas da literatura hoje. Mas afinal, o que se pode chamar hoje de nova literatura? E onde ela se encontra? Na Prosa? Na Poesia? Perguntou Leo aos demais parceiros. André mata no peito e diz que por já ter organizado duas coletâneas de contos, considera conto como miniconto porque há uma enorme tendência de condicionamento de alguns escritores em termos de forma, bem mais do que em função de conteúdo. Quanto à velha literatura, lembrou que Antônio Candido (A Educação pela Noite) escreveu um ensaio chamado A Nova Narrativa em que apresenta um panorama literário dos anos 60/70, citando Rubem Fonseca como escritor expressivo que via a brutalidade a sua volta e através dessa violência retratava a situação do período na forma como escrevia - exposição na 1ª pessoa, individualista/egoísta - servindo de referência a muitos escritores que estão fazendo a literatura de agora, como Patrícia Mello, Michel Laub, Marçal Aquino, Paulo Scott e outros que registram esta violência usando uma moldura de gênero em que o próprio leitor é envolvido. (mergulho na exploração do eu). O pessoal que escreve hoje tem gêneros bem marcados, porém alguns são pervertidos por algo que vai até uma ficção pop, comenta ainda. O importante é se usar uma moldura que permita um contato mais imediato com o leitor para melhor seduzi-lo como já fazia Borges e hoje outros estão fazendo. Leo, o mais questionador da mesa, pergunta se esse mergulho na solidão que se vê na literatura expressa hoje, não seria somente mais uma conseqüência do mundo contemporâneo já que o artista vivencia o universo de sua subjetividade ligada a arte. Percebe-se que nos romances de 70 os intelectuais combatiam a ditadura com a construção de uma possível utopia. Hoje o artista passou a não trabalhar o papel dele com ele mesmo mas sim a sua relação com os mais próximos mesmo vivendo em uma “sociedade do eu”, diz André. Na construção dessa individualidade, um fato que chama a atenção é que nessa nova geração os contatos são imensamente mais produtivos. Os artistas interagem, entram em contato com outros de vários lugares, dialogam, são mais favoráveis as novas tecnologias permitindo assim que pequenas editoras possam fazer um trabalho de qualidade com ressonância. Samir enfatiza que a tecnologia é justamente o ponto alto em termos de nova literatura e cita o exemplo de escritores que há 20 anos atrás lançavam um livro e achavam que estavam fazendo algo novo quando na verdade o que se produzia na época não era conhecido. Isto mudou. Ao se lançar um livro hoje, no máximo em duas semanas já se pode ter um feedback de leitores ou outros escritores que interagem dizendo que estão fazendo a mesma coisa, ou semelhante. Em sua opinião, o que marca a nova literatura hoje é o fato de se lidar bem com estas novas tecnologias. Esta capacidade de integrar-se a elas. O bom escritor hoje necessita dominar bem estas mídias eletrônicas. Há que se ter uma capacidade de transmitir o orgânico através da máquina. A nova literatura é o nicho de gente que quer ler o novo. É o fazer significativo. As formas diferem mas o comportamento é um só. Batendo um pênalti o Fernando destravou uma vasta coleção de obras de autores que possuem trabalhos junto a estas editoras de sua super mochila e as fez circularem através de vários olhares sedentos de leituras. Comentou-se no encontro como sendo uma característica da nova literatura este estilo emo/violência/poético-funcional. Os emos são uma caricatura do mundo de hoje. O artista não deve optar pelo isolamento, pela melancolia, pelo fechamento em si mesmo, pois as facilidades de publicação independente, aliados a rapidez de postagem na internet não devem nem acomodar, nem encurtar a visão do escritor, muito menos reduzir suas outras formas de comunicação. Para que o escritor se sobressaia é preciso atenção a dois pontos, a Pertinência Literária e a Estratégia de Mercado. O autor deve considerar, além de dar vazão à sua voz, o fato de que se não forem tomadas as medidas corretas, a beleza da arte se perde se o livro não for lido, bem divulgado e/ou vendido. Sobre as oficinas literárias a polêmica girou em torno do fato de que quase todos os autores aqui do Sul, passaram pelo Assis Brasil. O que vocês acham disto, perguntou o Leo. E eis que o time botou seus motivos em campo. O lateral disse que a oficina dá os mecanismos, as técnicas para que o processo ande. Já o atacante afirmou que o fazer oficina desencadeia o movimento aglutinador criativo. No intervalo, a turma se reuniu e tascou que as oficinas não padronizam o pensar dos escritores porque cada um oferece o que tem e absorve o que precisa. Primordial é a vivência literária em grupo onde as trocas e os contatos feitos passeiam pelas idéias. Quanto às críticas literárias, há prós e contras na visão dos “mesários”. Elas podem ser pessoais ou impessoais, podem estar bem fundamentadas, serem reais, frias, maldosas ou apenas passar informações técnicas. Muitas delas auxiliam o autor mesmo que sua obra seja ruim. Em outras, pode acontecer de o livro apresentar problemas formais, estruturais, neste caso, há conselhos, sugestões, dicas. Não há como fazer crítica de um livro não lido, por isso, às vezes, a falta de tempo para a perfeita análise de uma obra prejudica todo trabalho. O Jornal Rascunho foi citado como uma ótima referência de crítica literária www.rascunho.com.br . Constatou-se que no placar geral o público leitor é elástico mas restrito e está diminuindo. O Fernando após fazer o primeiro gol da rodada entra na goleira com bola e tudo dizendo que todo mundo deveria ler dois livros atuais e um clássico, nesta ordem e proporção. Justificou que é para assim oportunizar que as obras conversem entre si. O juiz apita a falta porque se tocou fundo na canela do leitor que possui este drama pessoal quanto ao prazo dedicado e gasto para as leituras. Quem hoje em dia tem tempo para ler livros de 900 páginas? Aplausos das arquibancadas para os contos. Não querendo desmerecer nenhuma outra forma, é claro. Muitos dos que estão escrevendo hoje, poderão ser estudados como clássicos daqui a 50 anos. Na contra mão da literatura vão os clássicos da transgressão. Somos então os cânones da transgressão porque a nova literatura remete não aos clássicos, mas a novos autores? Há novidades no gênero pop. Ousadias formais. Os escritores estão mais livres para usarem seus próprios referenciais. Quanto às narrativas, a proposta da nova literatura é a de comunicar mais com menos. A nova literatura é o comportamento, os valores dos novos escritores expressos em seu vestir, seu gosto musical, suas tendências e preferências que no tremular das bandeiras acaba envolvendo os leitores que buscam o novo que está sendo feito por alguns relevantes escritores. Na entrevista, já fora de campo o Maurício achou bom seu desempenho. Enquanto o Fernando levantava a taça, a torcida em pé e VAIANDO, agradecia ao time pelo resultado da conquista de um bom domingo no Ocidente.

Maira Knop - Relações Públicas / Poeta

Nenhum comentário: